18 fevereiro 2006

"Teatro Noturno, Segundo Ato" ou "Faz Parte do Meu Show"

Caminhando em fios de alta tensão com uma venda nos olhos, bêbado, um poeta nu carrega uma vara horizontalmente, onde em cada ponta há uma garrafa de whisky cheia, ajudando a equilibrar-se.
Na grande avenida abaixo, balões azuis e amarelos saem dos esgotos abertos. Antes de atingirem 3 metros, explodem libertando beija-flores desnorteados que saem cegando todos ao redor.
Os cegos seguem sem saber. O poeta bobo anda sem querer.
Uma luz vermelha provavelmente vinda do sol surge no fim da avenida, onde desponta também uma figura triste (mais que os cegos e o próprio poeta). Como se aguardasse o surgimento dessa pessoa, o poeta diz:
- Eu sei voar - e larga a vara que o ajudava a equilibrar-se. Cai no chão e parece estar morto.
A figura triste no extremo da avenida surge num segundo, e passa a cuidar das feridas do poeta. Ele, rindo e cuspindo sangue, diz:
- Faz parte do meu show...
- Deixa de ser bobo, não faça mais isso! É que... eu te amo, mas não sei voar!
- Eu também não... mas tento e brinco de equilibrista pra chamar a atenção!

As pessoas ao redor, vítimas dos beija-flores, nem percebiam a cena que se repetia pela eternidade: os balões, os beija-flores, os cegos, ele se equilibrando e decidindo voar, se estatelando no chão; ela triste, cuidando das feridas dele, com os pés cheios de cacos de vidro da garrafa de whisky quebrada no chão. Detalhe que nem o poeta via, assim como não sentia os próprios ossos quebrados, invadido que estava pela possibilidade egoísta de felicidade ao lado daquela pessoa.
Ela também ignorava os cacos de vidro. Ali só havia espaço para aquele amor indelével, que seria interrompido logo depois pelo tropeçar dos cegos.


P.S.: esse é o primeiro ato do Teatro Noturno: http://minhascismas.blogspot.com/2006/01/teatro-noturno.html

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