22 fevereiro 2006

Minha Mãe

Não, minha mãe não tá com hepatite. Uma inflamação causada no fígado em função da quantidade de remédio...
Tem ainda outros problemas também sérios, mas que carregam em si uma carga menor de desespero (embora eu não faça a menor idéia da gravidade de um 'derrame pleural', mesmo quando se traduz em 'líquido no pulmão'. Melhor? Pior?).
Já disse: minha desenvoltura num hospital é péssima. Saberia me comportar melhor numa guerra ou campo de concentração.
Minha cabeça não pára, e sigo aparentemente indiferente, possuidor de uma fé que tudo vai melhorar, incomum em pessoas que, numa discussão de bar, dizem ser crentes. Crentes que precisam de mais cerveja. Esse sou eu.
Não sei me comportar. Se eu acordasse nu na avenida Paulista às 9 da manhã saberia o que fazer. Num hospital não.
A angústia satriana em relação à liberdade é nada perto dessa angústia em relação ao desconhecido, à vida, à morte. Esse deve ser o desespero humano de Kiekagaard.

Horrível passar algo assim logo após os dias maravilhosos que foram os da Bahia. 'Os deuses vendem quando dão'. Será esse o preço?

Filho único é foda... no auge do meu pessimismo, busco alternativas para um mundo sem minha mãe. Lembro da primeira cena de 'O estrangeiro' de Camus, em que ele diz, aparentemente indiferente, que sua mãe morreu. Não há como reagir. É algo desesperador, mas é um desespero pra dentro. A hipótese em si é assim.
Isso sem falar na clara consciência da dívida que tenho com minha mãe. Muito além dos filhos normais, não devo só a vida. Devo muitas coisas. Devo a minha vida e a dela.
Minha mãe me teve aos 16 anos e eu sinto que interrompi uma vida. Eu nasci e matei minha mãe. Ao menos a adolescência dela. Tenho isso claro na minha mente.
Ela viveu e vive pra mim. Nunca fez questão de nada além de mimos para o filhão que traz algumas decepções, mas muitas felicidades também. Minha mãe é mais neurastênica que eu. Tão neurastênica que nunca sei o que dar a ela de presente de aniversário ou dia das mães. Tudo lhe é indiferente, menos eu.
De uns tempos pra cá, minha neurastenia e minhas solidões e paixões me fizeram esquecer essa dívida. Ouvi no Big Brother (sim, de vez em quando eu vejo!): São Paulo é terra onde filho chora e mãe não ouve. Minha mãe não ouviu meus choros. Eu não ouvi os da minha mãe.
Sei que isso é escrito em momento de leve desespero. Assim que tudo estabilizar, já prometi a vários amigos que vou sair e bebemorar todas. Lavar a alma sem ter onde secá-la no dia seguinte. Mas é óbvio que amo minha mãe acima de todas as coisas (deus, foi mal).
Mas meu futuro é o mundo, ela sabe. É mentira de Kerouac dizer que só as mães são felizes. Pense na mãe de Cristo quando ele estava sendo crucificado. É triste.
Como será isso: Viver para uma pessoa que vive para o mundo? Às vezes sei que meu futuro é triste por querer mudar o mundo. Penso na minha mãe. Ela parece sozinha, mas meu coração todo é dela. Mas o chicote que deus deu quando me deu um dom, serve para autoflagelação, mas atinge minha mãe também.
Como será isso? Como será isso?
Lembro de cenas de "Tudo Sobre Minha Mãe", onde ouvi essa frase sobre dom pela primeira vez. Almodóvar é foda... tem uma cena (nossa, tô até com os pelos da perna arrepiados só de lembrar), onde uma atriz interpreta uma mãe no teatro... e há um balde... tão lindo, tão lindo. No final, Almodóvar oferece o filme para a mãe dele e todas as mães do mundo...
Essas coisas me surgem na cabeça do nada. Tinha até esquecido que ouvi aquele frase no filme. Aos poucos as coisas fazem sentido. Vale a pena, tá vendo?

Mamãe, mamãe... será que um dia eu conseguirei amar alguém mais que minha mãe? E será que precisamos ser tão injustos assim com pessoas que amamos tanto? Sim, Wilde (é, às vezes ele conversa comigo), destruímos as coisas que mais amamos...
minha mãe. Há criatura mais... como dizer?
minha mãe... lhes espetam agulhas e eu quero matar deus nessa hora.
minha mãe... o que dizer? Amor é tão pouco perto de você.
você nunca me amou. Você foi minha mãe, isso é muito mais!
minhas ex-namoras me amaram
meu pai, minha irmã, minha vó, meus amigos
Você não. Você é mãe, mãe é mais
Como pode...
Mãe..
Uma palavrinha assim, tão pequena quanto a pessoa que representa
e tão grande, tanta coisa...
tão... tão...
mãe...
mãe...
repito essas palavras e meus olhos enchem de lágrimas!
mãe...
mãe...
É como se estivesse implorando...
mãe...
mãe...
Tão pálida! Tão pálida! Chega a ser engraçado!
esse tubinho estendo seu corpo
e aquela coisa pingando
mãe...
mãe...
você precisa ver tanta coisa!
eu vou crescer um dia, você vai ver!
não vou ficar olhando pela janela
quando forem colher seu sangue
não vou telefonar bêbado de madrugada
vou me formar e fazer um discurso todo para você

mesmo que fossemos criados em laboratórios
o que seria do mundo sem mãe?
vejo um mundo sem deus
mas não vejo um mundo sem mãe
deus é pai... hahahaha...
deus é mãe! só pode ser!!!
mãe...
dizer 'te amo' é quase nada
mãe, queria ser sua mãe!

1 comentário:

Anónimo disse...

Quando você nasceu, você não matou sua mãe porque até então ela não era sua mãe. Pense que ao invés de matar alguém você liberou antecipadamente a personalidade que estaria por vir. Não sou louca ao ponto de negar que poderia ser diferente. Não existe melhor ou pior apenas dessemelhante.
As coisas acontecem e ponto. O passado já virou história nada o mudará. O que você está fazendo hoje refletirá o que será amanhã.

Sinto pela sua mãe, este blog é seu e não meu. Gostaria apenas de deixar isto claro aliviando um pouco o seu sentimento de culpa ou esta angústia.

Beijos e abraços sinceros

De um alguém perdido e também angustiado.