26 janeiro 2006

Teatro Noturno

Para Felipe, e as feéricas Fernanda e Erika
Gritos num escuro agudo.
De repente, uma luz acende sobre um indivíduo de chapéu-coco correndo com uma garrafa de vinho na mão. Ele pára, olha pra trás, esfrega a boca pelo braço até as costas da mão e começa a falar, braços abertos e voz emocionada:
“Mas o que é a vida? É esse bando de gente inventando verdades enquanto eu, ébrio, só brio, febril, digo o que acreditam ser mentiras?
“É aquela sensação de ser traído, abandonado, vilipendiado, enquanto minha geração se vende por desprazeres baratos, esquecendo que somos poesia, arte?
“É odiar o dia por ele ser assim, cheio de regras, fedendo a escravidão?”
Cambaleia um pouco, toma um gole longo, seguido de um estralar da língua contra o céu da boca:
“Noite, note-me! Olhe-me, veja, sinta, ouça! Sou seu filho! Onde estão meus irmãos?”
Silêncio.
Percebe que o vinho acabou e quebra a garrafa num golpe violento. Alguns cacos entram em suas pernas.
Ao longe, outro foco de luz acende sobre uma figura saltitante, cantando “we accept you one of us, one of us, one of us”. Atrás, outra figura corre, cai, se levanta e continua correndo, gritando “tem ceiveja aqui, ó!”
Mais atrás um carro buzina, enquanto dentro alguém grita: “voltem pro carro!”.

Gargalhadas de todos.

21 janeiro 2006

Retrato quando entediado

Sou original em todas as minhas personalidades.
Não sei se a dor manifestada poucas vezes – grande parte em textos - é mais ‘verdadeira’ que a euforia boêmia, se o silêncio contemplativo é mais ‘sério’ que as frases cínicas, se o amor à primeira vista é mais ‘intenso’ que aquelas paixões tímidas que duram dias, semanas, meses, anos, vidas.
Aos que dizem que quase tudo em mim é totalmente mentira, responderia que é parcialmente verdade.
Tenho uma mania horrível de querer decifrar-me. Se não me decifro, me devoro.
Faço de tudo uma arte cênica e cínica. Do amor, uma crucificação. De uma noite regada à cerveja e whisky, uma apresentação de circo onde sou o mágico, o palhaço, o acrobata. Do fim da noite, um apocalipse. Transformo a ressaca numa inquisição.

Bebo sim, tô vivendo, tem gente que não bebe tanto e cai mais que eu e fica mais chata. Fumo quando dá na telha ou mesmo quando nasce no chão. Pago tudo com dinheiro ganho da minha escravidão voluntária que chamam trabalho.
Quando vi um filme em que Modigliani, bêbado, dançava sozinho em volta da estátua de Balzac com uma garrafa de vinho na mão (cena, no filme, testemunhada por Renoir), achei aquilo de uma poesia além de tudo... Fiz da minha vida exageros desse tipo. Provo com a própria pele a idéia do Wilde de que a Vida imita a Arte.Saio de casa recitando Leminski: “Um homem com uma dor, é muito mais elegante. Caminha assim de lado, como se chegando atrasado, andasse mais adiante”. Vomito cantando Cazuza: “Da privada eu vou dar com a minha cara de panaca pintada no espelho, e me lembrar, sorrindo, que o banheiro é a igreja de todos os bêbados. Eu ando tão down”. Acordo sussurrando Bukowski: “quatro e meia da manhã... os trabalhadores vão se levantar, e eles vão procurar por mim no estaleiro e dirão: "ele tá bêbado de novo", mas eu estarei adormecido, finalmente, no meio das garrafas e da luz do sol, toda a escuridão acabada, os braços abertos como uma cruz, os passarinhos vermelhos voando...”.
A grande maioria das pessoas pinta a própria mediocridade como sendo ‘originalidade’, ‘autenticidade’. Eu não! Confesso que sou mistura das coisas que imagino com as que li, vi, ouvi, senti, as pessoas com quem vivi, dancei, transei, bebi, dormi, acordei.
Sou as coisas porque me apaixonei.
Sou as coisas por que me apaixonei. Sou neo-surreal/impressionista/romântico samba/bossa/rock. Me apaixono com minhas 117 bocas, 313 mãos, 411 orgasmos, centenas de livros lidos, milhares de músicas ouvidas, meu bilhão de palavras, minha fazenda de rosas e orquídeas roubadas, castelos de cartas marcadas, garrafas quebradas, histórias de bar, cortinas de fumaça, amigos loucos, bêbados, geniais, Van Goghs pendurados no teto, girassóis plantados em garrafas de Red Label (keep walking!!!), cães adestrados trazendo bandejas com drinks fluorescentes, gatos voando assoviando a 9º de Bethoven...

E quem não gosta, sai de perto que sou espaçoso.

Assinado, gritado e manifesto,

FEBRIO EBRÍCIO

12 janeiro 2006

Se me feres, férias...

Enfim minhas férias estão se tornando realidade.
Por mim iria pra Pasárgada, já que sou amigo do Manuel Bandeira, que era amigo do rei. Na impossibilidade de ir pra Pasárgada, algum outro lugar mais sossegado...Um certo espírito keep walking ainda, embora menos boêmio.
Mais errante que boêmio, mais filosófico que poeta, mais realista que romântico.
Como eu disse certa vez: quando vocês não me virem, não é que eu sumi. A grande maioria das pessoas some, desaparece... eu não. Eu FUJO. Há uma diferença sutil. E fujo por causa do tédio, dos exageros, da euforia, das desilusões... tanta coisa. Pessoa:
"Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo..."

Na mochila, roupas e 4 livros: "O Mundo Como Vontade e Como Representação - Schopenhauer", "Preciso Dizer que Te Amo - Cazuza", "Poemas - Brecht" e um romance que ainda não escolhi. Na hora pego.
Exceto por algumas pessoas queridas, não vislumbro a possibilidade de sentir saudade de nada. Tudo aqui me desgasta, sobretudo o trabalho. As baladas mesmo já adquiriram um ar blasé, meio tédio, indiferença, náusea... Também, são 4 anos nesse ritmo, com um intervalo breve de uma semana no começo do ano passado.
Creio que lá vai ser meio difícil acessar internet; portanto, nada de orkut, messenger, esses vícios. Talvez leve o laptop pra poder escrever...
Acho que vou sentir falta do orkut, que me deixa sempre ansioso por novos recados. Deixei lá uma frase do Nietzsche como minha descrição, refletindo bem o que sinto e a forma como estou agindo. Remete, na verdade, a um caso específico e vago ao mesmo tempo. Let it bleed...

Espero melhorar. Exceto pelas vezes em que estou com os amigos tomando cerveja, a vida por si só não passa de uma náusea que não sei se é causada por fome ou excesso de comida.

Estou me despedindo sendo que só vou viajar na semana que vem... isso se chama tédio... inclusive, as reticências são sinais de escrever por tédio. Logo eu, tão atencioso com minhas vírgulas (uma das coisas que mais amo na vida!).

blábláblá

perdido no mundo e dentro de si...

A depressão, ao contrário das bruxas, não existe. Mas quem tem acredita... ah, acredita!
Nunca fui de acreditar nessa baboseira. Aliás, a todas as pessoas que chegavam até mim com esse papinho, eu dizia que era fase... algo assim...
Só que a depressão é uma coisa que não tem como existir, mas é possível sentir. É um desânimo que ultrapassa tudo, uma ausência de vontade, de coragem, de tudo...
Horrível.
Acordar é um parto. Trabalhar uma tortura. Dormir um suicídio.
Pensar sobre felicidade é flagelar-se. Amor? Uma farsa... Futuro? Um abismo...

É como se estivéssemos sempre caindo num abismo, torcendo para chegar logo o chão, a água, o fogo do inferno... o que seja.
Os psicólogos mais positivistas tentam enquadrar esses estados psicológicos dentro de parâmetros quase científicos. Dizem, por exemplo, que para uma pessoa estar deprimida, tem que apresentar um número x de características de um quadro pré-definido, por um tempo y. Se não estiver dentro dessas características, o 'paciente' sofre, na verdade, de distimia. Ao dicionário:

Distimia:
substantivo feminino
Rubrica: psicopatologia.
1 qualquer distúrbio emocional
2 Estatística: pouco usado.
qualquer transtorno da atividade intelectual



Meio vago... meu caso está mais para neurastenia que para depressão ou distimia. Ao dicionário novamente:

Neurastenia
substantivo feminino
1 Rubrica: psicopatologia.
perda geral do interesse, estado de inatividade ou fadiga extrema que atinge tanto a área física quanto a intelectual, associado esp. a quadros hipocondríacos e histéricos
2 Derivação: por extensão de sentido. Uso: informal.
disposição irritadiça, pessimista; azedume, neura



É bem isso mesmo. Pronto, me autodiagnostiquei. Mas e aí, qual a cura???