28 fevereiro 2006

Uma carta!

Tava fuçando os itens enviados do meu hotmail (estou no trabalho mas definitivamente não trabalhei nesse carnaval), e achei essa carta com data de 22/07/2005. Achei interessantíssima. Mas havia esquecido totalmente dela... lembro do contexto bastante tumultuado em que ela foi escrita, mas não sei das minhas intenções com ela. Há um quê de mágoa...
Bom, de qualquer forma, serve de continuidade aos textos "Teatro Noturno"


Assunto: Pense Dalí, pense surrealista. Essa coisa de imagens distorcidas. Mas não pense impressionista que é outra onda...

Vem sentar-te comigo,
(...) à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.

(Ricardo Reis, heterônimo do Fernando Pessoa)

(olhando pro nada, lembrando de uma dúzia de poemas que falam sobre a vida, a morte, o amor. Lembrando da frase “você só escreve quando está com muito amor ou muita raiva”, dita por uma pessoa que parece me conhecer muito bem, e reclama de meu súbito silêncio. Andando com as mãos nos bolsos, pensando em nada com muitas imagens e muitas palavras. Perguntando, respondendo... O coração acelera e pára como sob o efeito de drogas. Só há eu e o mundo todo, mas no mundo não há outras pessoas. Tudo se apaga e quando acende ofusca como uma súbita luz na escuridão. Luzes ou escuridão demais, nada vejo. Sinto algo? Talvez... uma angústia que não vem da liberdade, um medo que não é da morte, um amor que não é da vida.
As coisas todas possuem várias cores, tudo tem cheiro, gosto, tudo é asperamente liso, amargamente doce, invisivelmente claro. Não há duas coisas iguais. Tudo é antítese de tudo. De repente, tudo vira de cabeça pra baixo, e o que era vida, morre; o que era amor, odeia; o que era amizade, vazio; e o que era eu... ué?
Luzes se acendem, começa a tocar “Another Brick in The Wall”. Entram os palhaços que não riem nem fazem rir, o mágico invisível, o acrobata se rastejando, o leão dando chicotadas no domador, e o homem bala cai do alto da tenda com uma metralhadora de verdades e atira em toda platéia.
Desespero.
O circo começa a pegar fogo, e pétalas caem do céu. Pássaros azuis voam por toda parte dizendo “never more”...
De repente, Bum! Tudo some e eu volto a caminhar olhando pro nada, lembrando de uma dúzia de poemas...)


Todos.

Divagações Prosaicas Sobre meus Versos

Acordei poético hoje, viu só? Não sou de esquentar a cabeça com rimas, quantidade de versos, blábláblá. Inicialmente por achar ridículas as poesias que escrevo. Porém, não ridículas como as cartas de amor do Fernando Pessoa (Todas as cartas de amor são ridículas / Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridículas). Ridículas por serem uma forma de profanação sem sentido, como vestir um santo com camisas da Cavallera.
Deu pra entender?
Quando escrevo, a única preocupação que tenho é com relação às vírgulas, criaturinhas que adoro. As vírgulas são num texto como os lactobacilos do Yakult: estão vivas! De resto, escrevo exatamente da forma como penso e equivalente ao meu jeito de falar. As vírgulas são importantes como ter um bom hálito numa tentativa de seduzir: por melhores que sejam as palavras, mais sinceros os sentimentos, de nada adianta se o hálito for insuportável. Pontos também dão certo charme. Uma espécie de sedução. Um Sorriso. Um perfume.
De forma alguma isso quer dizer que sempre tenha certeza de como usar vírgulas. Me perco sempre com relação ao ‘e’. Tem hora que o texto precisa de uma pausa além do e. Aí fica ao meu gosto, nem sempre seguindo as regras da inculta e bela língua portuguesa.
Porém, escrever poesia não é como pensar. Nem é somente sentir. Precisa de um esforço intelectual além do pensar e do sentir, mas mais atrelado ao sentir que ao pensar. Isso pra mim é muito difícil.
O que adoro fazer quando tento escrever poesias são aliterações como em “sol no céu azul sem nuvens”, “alice no espelho ali se via...”, “o que dá vida ao David?”. Esses joguinhos de palavras me seduzem! Quando consegui fazer um palíndromo pra uma menina (amá-la é a lama), fiquei muito feliz! Palíndromo, pra quem não sabe, são frases que podemos ler de trás pra frente e vice-versa. Minhas tentativas de fazer poesia são frutos dessa sedução por jogos de palavras. Não lembro quando, mas escrevi uma vez “o riso faz-se fácil face ao jogo de palavras”.
A questão da profanação se dá quando lembro de poetas como Augusto dos Anjos e Vinicius de Moraes. Aqueles versos soam naturais como minha prosa. Não consigo imaginar se exigiu esforço, ou o tamanho do esforço necessário para escrever:
"Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia"
Rima perfeita e 12 sílabas poéticas! Como pode?
Por isso me resigno à minhas divagações prosaicas em todos os sentidos possíveis.

OBS.: E pensar que quase agora eu estava melancólico rimando mundo e fundo. De repente, não mais que de repente, viajo escrevendo esse monte de coisas...
coração à vista, flores na mão
fecho os olhos e vou fundo,
da angústia à euforia do mundo
por companhia a solidão
quando eu sorria
(riso fácil face ao mundo)

esquecia que caia

Melancolia

Como se pode ver pelo poeminha abaixo, acordei melancólico. Vamos ao dicionário!

1 Rubrica: história da medicina. Diacronismo: antigo.
mal derivado do excesso de bile negra, que levava os indivíduos acometidos à lentidão, tristeza e prostração
2 Rubrica: psicopatologia, psiquiatria.
estado mórbido caracterizado pelo abatimento mental e físico que pode ser manifestação de vários problemas psiquiátricos, tendendo hoje a ser considerado mais como uma das fases da psicose maníaco-depressiva

Vixi! “uma das fases da psicose maníaco-depressiva” é boa, hein? Mas esse negócio de “excesso de bile negra” não tem nada a ver.
Onde há solidão, há melancolia.

Inércia total... não consigo escrever sobre melancolia!!!

é manhã

por mais belo que esteja o dia
sol no céu azul sem nuvens

há algo cinza de melancolia

27 fevereiro 2006

Like a rolling stone...

Muito tempo atrás, uma professora de inglês disse que eu era uma pedra rolando (rolling stone); e que pedra rolando não cria musgo, ou seja: não produz nada (isso era um ditado em inglês que não me lembro).
Até concordei com a idéia. Eu sou mesmo uma pedra rolando. Até porque uma pedra parada só é alguma coisa diante de um poeta como Drummond. Fora isso, uma pedra parada é só... uma pedra parada. Pode ter lá seus musgos, mas passa despercebida aos olhos da maioria.
Essa imagem da pedra rolando se traduz também na já clássica frase keep walking, que levo a sério. Eu não sei ficar parado, não sei esperar.
Às vezes ando pelo caminho errado só pra não ficar parado. Dirigindo em São Paulo muitas vezes me perco, mas não paro pra pedir informações, continuo dirigindo até achar algum lugar conhecido, alguma placa. Perco horas, mas conheço coisas novas (eis a vantagem).
Pedra rolando pode até não criar musgos. Mas seu formato muda com o rolar.

O amor é uma coisa difícil de esperar. Eis um problema. Na verdade, acho que o amor vai ser uma parede que vou dar de cara e me espatifar. Aí eu paro.

A boemia é... vazia

(da série: retratos quando entediado, rsrsrrs)

Há um quê, assim, de masoquismo em mim.
Sou pirracento, me apaixono diariamente por pessoas erradas. Tenho um amor indelével que dita regras para as outras possibilidades de amor.Sou romântico, metido à poeta e boêmio no sentido lato tirado do dicionário Houaiss: "que ou quem leva uma vida HEDONISTA, ALEGRE e LIVRE".
HEDONISMO aqui no sentido de busca do prazer através dos sentidos. Algo como o conselho de Lorde Henry ao Dorian: curar a alma através dos sentidos; os sentidos através da alma. Ou seja: a busca do prazer como forma de apaziguar a angústia cotidiana.
ALEGRIA não é felicidade, entendam. E também não é bichice como na tradução para o português da palavra gay. Alegria são aquelas conversas de boteco entremeadas por olhares semi-apaixonados para alguma menina, risos altos, saídas estratégicas, mentiras sinceras.
LIBERDADE... esse problema. Sempre Sartre: "A angústia é o modo de ser da liberdade enquanto consciência do ser". A culpa de tudo é da liberdade. Estamos condenados a liberdade... o que fazer?
Ou seja: a boemia é... vazia (disse isso só pela rima). A boemia é uma forma agradável de lidar com a liberdade. Para não carregarmos o peso da angústia 24 horas por dia, nos entregamos a essa insustentável leveza. A boemia é isso: uma insustentável leveza.Não bastasse a ressaca das bebidas, há um vazio enooooorme nas manhãs após noites de cerveja, abraços e beijinhos (quando damos a sorte de arranjar alguém pra beijar).
Em seguida vem a Literatura e a busca contínua de respostas. Então escrevo. Leio.Minha vida é isso: boemia em noites insustentavelmente leves; Literatura, seja no gesto de escrever ou ler, como um peso, tal qual o fardo de Atlas, condenado a carregar o mundo nas costas.

E não me canso nunca de escrever sobre mim. É um pouco de egoísmo, confesso. É que escrevendo vou me entendendo. Por exemplo: em momento algum na minha vida havia pensado na diferença entre felicidade e alegria. Tive a idéia enquanto escrevi... isso que é o bacana de estar nessa busca contínua de si mesmo. Às vezes me decifrando, às vezes me devorando. Assim sou eu... ou quase isso.
Outra coisa: a busca por si mesmo se confunde com a busca dessa figura clássica de amor perfeito. Alguém que me entenda, acompanhe algumas loucuras minhas e me tire de outras. Alguém pra quem se possa cantar a música do filme Orfeu: “Sou mais eu porque sou você”.
Mas até agora não disse nada de diferente das outras pessoas. A diferença somente está na forma de lidar com essa busca. Mas, no fundo, o que todo mundo quer é isso: alguém pra dizer “sou mais eu porque sou você”.
Só que eu, no momento, disfarço através de uma boemia... vazia.

Portanto, matem o cantor e chamem o garçom!

24 fevereiro 2006

vazio, vazio

vazio, vazio...
girassóis carnívoros me esperam do lado de fora
eu sei... eu sei...
cerveja! cerveja!
vazio, vazio...
é carnaval!
nada mudou
onde está você?

solidão, solidão
vazio, vazio

é preciso alguém
tenho certeza
quem?

eu sei quem
mas falta alguma coisa
alguma coisa velha
com cheiro de novidade
um não sei quê de nós dois
eu e você
assim
euevocê
um gesto, um silêncio
uma presença
mãos dadas
carinho

agora!
eu quero agora!

vazio, vazio...

será que você também é assim?
Minha mãe tá beeeeeeem melhor.
Alívio.
Voltemos aos comentários gerais do delírio cotidiano.

A culpa

Transcendêcia... essa é a palavra. Poucas pessoas compreendem. Filhos poucos, pessoas poucas... Muita coisa, quase nada. Das coisas bacanas que escrevo. das mais sinceras: eu queria ser mãe da minha mãe.
Isso é a verdade absoluta, que a grande maioria dos homens não saberá. Homem algum terá coragem de ser mãe.;
Eu quero ser mãe da minha mãe.
Isso é estranho. É culpa e dor.
Dói... é tudo.

22 fevereiro 2006

Minha Mãe

Não, minha mãe não tá com hepatite. Uma inflamação causada no fígado em função da quantidade de remédio...
Tem ainda outros problemas também sérios, mas que carregam em si uma carga menor de desespero (embora eu não faça a menor idéia da gravidade de um 'derrame pleural', mesmo quando se traduz em 'líquido no pulmão'. Melhor? Pior?).
Já disse: minha desenvoltura num hospital é péssima. Saberia me comportar melhor numa guerra ou campo de concentração.
Minha cabeça não pára, e sigo aparentemente indiferente, possuidor de uma fé que tudo vai melhorar, incomum em pessoas que, numa discussão de bar, dizem ser crentes. Crentes que precisam de mais cerveja. Esse sou eu.
Não sei me comportar. Se eu acordasse nu na avenida Paulista às 9 da manhã saberia o que fazer. Num hospital não.
A angústia satriana em relação à liberdade é nada perto dessa angústia em relação ao desconhecido, à vida, à morte. Esse deve ser o desespero humano de Kiekagaard.

Horrível passar algo assim logo após os dias maravilhosos que foram os da Bahia. 'Os deuses vendem quando dão'. Será esse o preço?

Filho único é foda... no auge do meu pessimismo, busco alternativas para um mundo sem minha mãe. Lembro da primeira cena de 'O estrangeiro' de Camus, em que ele diz, aparentemente indiferente, que sua mãe morreu. Não há como reagir. É algo desesperador, mas é um desespero pra dentro. A hipótese em si é assim.
Isso sem falar na clara consciência da dívida que tenho com minha mãe. Muito além dos filhos normais, não devo só a vida. Devo muitas coisas. Devo a minha vida e a dela.
Minha mãe me teve aos 16 anos e eu sinto que interrompi uma vida. Eu nasci e matei minha mãe. Ao menos a adolescência dela. Tenho isso claro na minha mente.
Ela viveu e vive pra mim. Nunca fez questão de nada além de mimos para o filhão que traz algumas decepções, mas muitas felicidades também. Minha mãe é mais neurastênica que eu. Tão neurastênica que nunca sei o que dar a ela de presente de aniversário ou dia das mães. Tudo lhe é indiferente, menos eu.
De uns tempos pra cá, minha neurastenia e minhas solidões e paixões me fizeram esquecer essa dívida. Ouvi no Big Brother (sim, de vez em quando eu vejo!): São Paulo é terra onde filho chora e mãe não ouve. Minha mãe não ouviu meus choros. Eu não ouvi os da minha mãe.
Sei que isso é escrito em momento de leve desespero. Assim que tudo estabilizar, já prometi a vários amigos que vou sair e bebemorar todas. Lavar a alma sem ter onde secá-la no dia seguinte. Mas é óbvio que amo minha mãe acima de todas as coisas (deus, foi mal).
Mas meu futuro é o mundo, ela sabe. É mentira de Kerouac dizer que só as mães são felizes. Pense na mãe de Cristo quando ele estava sendo crucificado. É triste.
Como será isso: Viver para uma pessoa que vive para o mundo? Às vezes sei que meu futuro é triste por querer mudar o mundo. Penso na minha mãe. Ela parece sozinha, mas meu coração todo é dela. Mas o chicote que deus deu quando me deu um dom, serve para autoflagelação, mas atinge minha mãe também.
Como será isso? Como será isso?
Lembro de cenas de "Tudo Sobre Minha Mãe", onde ouvi essa frase sobre dom pela primeira vez. Almodóvar é foda... tem uma cena (nossa, tô até com os pelos da perna arrepiados só de lembrar), onde uma atriz interpreta uma mãe no teatro... e há um balde... tão lindo, tão lindo. No final, Almodóvar oferece o filme para a mãe dele e todas as mães do mundo...
Essas coisas me surgem na cabeça do nada. Tinha até esquecido que ouvi aquele frase no filme. Aos poucos as coisas fazem sentido. Vale a pena, tá vendo?

Mamãe, mamãe... será que um dia eu conseguirei amar alguém mais que minha mãe? E será que precisamos ser tão injustos assim com pessoas que amamos tanto? Sim, Wilde (é, às vezes ele conversa comigo), destruímos as coisas que mais amamos...
minha mãe. Há criatura mais... como dizer?
minha mãe... lhes espetam agulhas e eu quero matar deus nessa hora.
minha mãe... o que dizer? Amor é tão pouco perto de você.
você nunca me amou. Você foi minha mãe, isso é muito mais!
minhas ex-namoras me amaram
meu pai, minha irmã, minha vó, meus amigos
Você não. Você é mãe, mãe é mais
Como pode...
Mãe..
Uma palavrinha assim, tão pequena quanto a pessoa que representa
e tão grande, tanta coisa...
tão... tão...
mãe...
mãe...
repito essas palavras e meus olhos enchem de lágrimas!
mãe...
mãe...
É como se estivesse implorando...
mãe...
mãe...
Tão pálida! Tão pálida! Chega a ser engraçado!
esse tubinho estendo seu corpo
e aquela coisa pingando
mãe...
mãe...
você precisa ver tanta coisa!
eu vou crescer um dia, você vai ver!
não vou ficar olhando pela janela
quando forem colher seu sangue
não vou telefonar bêbado de madrugada
vou me formar e fazer um discurso todo para você

mesmo que fossemos criados em laboratórios
o que seria do mundo sem mãe?
vejo um mundo sem deus
mas não vejo um mundo sem mãe
deus é pai... hahahaha...
deus é mãe! só pode ser!!!
mãe...
dizer 'te amo' é quase nada
mãe, queria ser sua mãe!

21 fevereiro 2006

Só as mães são felizes?

Confesso que me importaria, mas não lamentaria muito qualquer problema com meu fígado. Faço por merecer.
Agora ver minha mãe, que não bebe nem cerveja, com problema assim é demais...
Ímpetos de violência, auto-destruição, ódio, raiva, culpa... tudo invade.
Gritos contidos saem pelos poros. Não faz sentido.
Aí me venham os moralistas com aqueles discursos: você precisa cuidar da sua saúde, parar de beber... você bebe demais... blábláblá...
Blábláblá é o caralho!
Essa aleatoriedade de males me fez ficar muito tempo brigado com deus. Daí os ímpetos revolucionários, a pretensa tendência política. Entre entender deus e mudar o mundo, preferi querer mudar o mundo.
Um aviso? Ah... me desculpe.
Não dá... não dá...
Matem o cantor, o carteiro e chamem o garçom.

18 fevereiro 2006

"Teatro Noturno, Segundo Ato" ou "Faz Parte do Meu Show"

Caminhando em fios de alta tensão com uma venda nos olhos, bêbado, um poeta nu carrega uma vara horizontalmente, onde em cada ponta há uma garrafa de whisky cheia, ajudando a equilibrar-se.
Na grande avenida abaixo, balões azuis e amarelos saem dos esgotos abertos. Antes de atingirem 3 metros, explodem libertando beija-flores desnorteados que saem cegando todos ao redor.
Os cegos seguem sem saber. O poeta bobo anda sem querer.
Uma luz vermelha provavelmente vinda do sol surge no fim da avenida, onde desponta também uma figura triste (mais que os cegos e o próprio poeta). Como se aguardasse o surgimento dessa pessoa, o poeta diz:
- Eu sei voar - e larga a vara que o ajudava a equilibrar-se. Cai no chão e parece estar morto.
A figura triste no extremo da avenida surge num segundo, e passa a cuidar das feridas do poeta. Ele, rindo e cuspindo sangue, diz:
- Faz parte do meu show...
- Deixa de ser bobo, não faça mais isso! É que... eu te amo, mas não sei voar!
- Eu também não... mas tento e brinco de equilibrista pra chamar a atenção!

As pessoas ao redor, vítimas dos beija-flores, nem percebiam a cena que se repetia pela eternidade: os balões, os beija-flores, os cegos, ele se equilibrando e decidindo voar, se estatelando no chão; ela triste, cuidando das feridas dele, com os pés cheios de cacos de vidro da garrafa de whisky quebrada no chão. Detalhe que nem o poeta via, assim como não sentia os próprios ossos quebrados, invadido que estava pela possibilidade egoísta de felicidade ao lado daquela pessoa.
Ela também ignorava os cacos de vidro. Ali só havia espaço para aquele amor indelével, que seria interrompido logo depois pelo tropeçar dos cegos.


P.S.: esse é o primeiro ato do Teatro Noturno: http://minhascismas.blogspot.com/2006/01/teatro-noturno.html

17 fevereiro 2006

"Sonhos ou Planos?" ou "Dulcíssima Prisão"

para S.
Ah!
Você perderia esse arzinho triste, daria muitas risadas e tomaria muitos sustos (muitos mesmo). Te irritaria tanto! Depois eu faria cara de cachorro com fome, diria coisas tão lindas... se ainda assim você resistisse, sairia pela rua com cara de bravo para em seguida entrar pela janela com flores do jardim do vizinho!
Ou então sairia gritando e cantando Cazuza. Recitaria Vinicius como quem chora! Entraria em casa pela janela, ligaria pra minha mãe do celular e andaria pela casa inventando muitas ruindades que vocês faz comigo:
- Ah, mãe, você nem sabe... ela me faz dormir no sofá sem motivo algum, sai com as amigas e não me avisa. Nunca tem janta em casa e eu emagreci 5 quilos só de comer miojo!
Aí você aparece me dando tapas gritando: “é mentira Nanci!”. Te puxo e dou um beijo, me jogando no sofá e deixando o telefone cair de propósito para você pegar e falar com minha mãe. Ela, do outro lado, diria: “eu conheço a peça... não liga...”.
Chegaria tarde do trabalho com um leve bafo de cerveja e todas as flores que pude comprar no caminho. Você percebe que cheguei e entra no quarto deixando a porta trancada. Chamo nosso cachorro (o Caju, apelido do Cazuza) e fico cantando e fazendo ele latir até você sair e esquecermos a comida – que já estava fria mesmo.
E te mimaria tanto!
Acordaria cedo, pegaria o violão e cantaria, com a voz mais desafinada do mundo:
no peito dos desafinados
no fundo do peito bate calado
é que no peito dos desafinados
também bate um coração
parapapa parará!”

E você acordaria toda despenteada, com os olhos ainda menores do que já são normalmente, colocaria o travesseiro sobre a cabeça e eu começava a pular e cantar em cima da cama, sujando os lençóis que ganhamos de presente de casamento sei lá de quem. Aí você ficaria brava de novo (você sempre fica por qualquer besteira), e eu sairia correndo cantando outra música qualquer, tipo “me deixaaaaaaaaaa... que hoje eu tô de bobeira!”.
E viajaríamos, brincaríamos com os filhos de todo mundo até termos os nossos!
E jantaríamos sob luz de velas (com certeza por que eu esqueci de pagar a conta), tomando um vinho Santa Helena de uns 10 anos atrás, cujo valor pagaria umas 5 contas de luz!
Eu sentaria na escrivaninha pra escrever, e você faria as piores provocações...
Seríamos as maiores crianças do playcenter! Com certeza!
(suspiros)
E isso tudo é tão engraçado! Tendo em vista tanta coisa... são sonhos ou planos?
Tanto faz! Eu te amo tanto e há tanto tempo que já nem ligo!!!

16 fevereiro 2006

Nós, os românticos, e a paixão...

Aprender com erros é uma virtude. Só um idiota faz uma besteira e continua fazendo, mesmo sabendo que não vai dar certo. Persistência não é sinônimo de tolice. É preciso, sim, certa teimosia e cometermos erros para saber como é, ignorando a experiência de outros (Wilde dizia que experiência é o nome que os outros dão aos próprios erros). Mas não é preciso repetir.
Só há uma exceção: a paixão. E é inegável que a paixão é um erro.
Quem nasce romântico, por mais que se pinte de malandro e frio, morre romântico. Pode ter pequenos intervalos de não-romantismo gerados por desilusões e enganos. Mas ele se apaixona de novo, não adianta. Quando menos espera, lamenta a vida e as injustiças desse deus terrível que controla os corações alheios. Esquece a frase dita com a cara no travesseiro já todo babado e molhado de lágrimas: "não vou mais me apaixonar. Nunca".

Estar apaixonado é querer estar com o outro sempre. Amar é querer ser o outro. E os românticos têm um amor indelével, mesmo quando se apaixonam por outras pessoas (daí, toda paixão posterior a esse amor é uma referência, um padrão. Um eterno retorno). Quem já viu o Don Juan interpretado pelo Johnnie Depp entende o que quero dizer. Don Juan, como todos sabem, era aquele conquistador inveterado, amante de mais de mil mulheres. No filme interpretado por J. D., ele ama perdidamente uma mulher que não o quer, mas vai se apaixonando por muitas; a paixão acaba e ele sempre retoma a figura indelével daquele amor impossível. Ele sofre por paixão, sofre por amor.
Paixão será sempre sinônimo de sofrimento. Por querermos estar sempre com o outro, a ausência nos causa náuseas terríveis. Já o amor, que quer ser o outro, se satisfaz por trazê-lo em si; sente saudades, lógico, mas a idéia de 'unidade de dois seres' alivia. Isso, lógico, quando esse amor é correspondido. Amor não correspondido se torna paixão, paixão é sofrimento... mas quando vem daí a paixão é um pouco mais amena. Aleatória.

Paixão correspondida se torna amor com o tempo. Amor nem sempre vira paixão. Há pessoas casadas que se amam absolutamente, mas não são apaixonadas. Às vezes uma pessoa ama, outra se apaixona. Essa é a fórmula de felicidade (fórmula hipotética que ainda não provei).

A paixão é contagiosa pela mão, pela boca. A gente beija, olha, subentende promessas de eternidade... o problema dos românticos enquanto seres apaixonados é esse: a gente pensa que tem a pessoa nas mãos, aí ela vai embora como se nada tivesse acontecido. E nós, que queremos estar sempre com o outro!

Conseguimos, tal qual Fernando Pessoa, fingir que é dor uma dor que realmente sentimos. As pessoas se assustam com paixão, então fingimos que aquilo é só um affair... tudo para estar sempre ao lado daquela pessoa. Isso é a mais clássica paixão!

Ah! Perdi o fôlego só de escrever esse texto. Escrever também é paixão... outra forma de paixão que também envolve sofrimento. Ouvi no filme "Tudo Sobre Minha Mãe", do Almodóvar, mas a citação é de um autor americano: "quando deus dá um dom pra uma pessoa, junto ele dá um chicote. E esse chicote destina-se somente a autoflagelação".
Quando a gente se apaixona também ganhamos um chicote, com a mesma função.

14 fevereiro 2006

Não

Eu não pedi ninguém em casamento.
Não fiz juras de amor eterno, não dei nomes aos possíveis filhos.
Não ameacei suicídio. Não dei orquídeas.
Não escrevi cartas enormes, não fiz poesias, não ofereci músicas.
Não escolhi o lugar onde seria a lua de mel nem a cor da parede de nossa casa.
Não disse qual era nossa música.
Não quis saber pra onde você vai, de onde vem.
Não contei sobre meus amores passados, não perguntei sobre os seus.
Esqueci o passado, mas não fazia questão do futuro.
Não fui exagerado, não banquei o carente profissional.
Queria estar ali.
Amanhã não quer dizer para sempre, saiba.
Não era preciso fugir.
E se fosse qualquer outra coisa subentendida, qualquer paixão discreta, o problema era meu...
Você só tinha que ficar ali. No máximo, corresponder calada. Não havia por que ser assim.
Eu não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesmo!
Você tinha que entender!
Minhas frases vagas, insinuando paixão, são típicas.
Meu olhar perdido... é meu!
Era carinho o que eu queria. Não precisava de você inteira.
No entanto... o vazio.
Sempre esse vazio agudo...
E você some... e volta.
Mas se vai voltar, não precisa ameaçar o contrário!
É só ficar calada... os sonhos são meus, não me acorde!

Amor-Balão

Lorde Henry, apaixonante personagem de Wilde, dizia que é possível ser feliz ao lado de qualquer mulher, contanto que não a amemos. Amor e paixão por outra pessoa é sempre algo confuso. Paixões ‘impossíveis e rudes’ são deliciosas.
Mesmo que o tempo torne aquele amor inicial algo desbotado, é impossível não sentir algo por alguém que te beijou na boca, deu a mão, olhou nos olhos. O instante anterior ao encontro parece algo insignificante, como se nada de importante fosse acontecer; ainda mais quando esse ‘affair’ não é algo positivamente constituído. É, literalmente, um caso. Só que o imediato vazio deixado por aquela pessoa nos deixa perturbados, sendo ela quem for. Quando ela tem um quê de especial, sendo esse quê vindo de uma dificuldade independente de nós dois, as coisas ficam ainda mais complicadas.

Um amor com sabor de fruta mordida... matando a sede na saliva... quem não quer?

Mas o que é exatamente isso?
Ainda sentado ao lado dessa pessoa, beijos intermitentes e carinhos sem ter fim, me veio à cabeça aquela música do Lulu que diz “acho tão bonito isso de ser abstrato...”. Essa coisa do relacionamento entre duas pessoas ser abstrato é gostoso, não posso negar. Dá uma sensação de liberdade.
A liberdade nos torna leves. A leveza nos tira qualquer possibilidade de previsão do futuro. Eu mesmo, numa dessas frases de impacto geradas pela cerveja, disse que a ausência de planos nos torna mais livres. Foi assim que fui pra Bahia, sem rumo, sem destino certo, sem companhia, sem horário, mas exercendo plenamente minha liberdade. Liberdade essa que em São Paulo, onde há hora pra acordar, trabalhar, almoçar e jantar, me era retirada.
O que incomoda é o mesmo vazio comentado num outro texto. É aquele vácuo deixado pela liberdade.
Um amor, uma paixão, um caso, exercido com as mesmas regras dessa liberdade ‘keep walking’ é um pouco incômodo, mas gostoso. Não saber o que vai acontecer amanhã...
Há coisa mais assustadoramente excitante?
Tive uma idéia! Stendhal fez definições bacanas de amor, mas acrescento mais uma: amor-balão.
É aquele amor que fica flutuando no ar, sem destino, sobe, desce, é jogado pra lá e pra cá... de repente, bum! Ele pode estourar!!!
Aflige um pouco esse estouro, como aquela agonia das crianças quando brincam assim. Mas o que fazer?

A Insustentável Leveza da Culpa

Uma pessoa normal, tendo chegado ontem da Bahia; tendo sido recebido por alguém relativamente especial, e, sobretudo, sendo vítima e algoz de carinhos tão bons (de uma maneira vago-específica, confesso, mas bons) e lendo "A Insustentável Leveza do Ser", teria muitas coisas pra escrever. Mas Brecht dizia, num poema, que vivia dividido entre o deslumbre com a natureza e a revolta com os discursos do pintor (Hitler); mas só o segundo o fazia sentar-se à escrivaninha.
Meu problema não é exatamente esse, mas minhas angústias pessoais e egoístas são sempre temas de textos. Não bastasse essa angústia, meus problemas sociais e com política são graves.
Digo isso porque lendo "A Insustentável Leveza do Ser" logo pela manhã, de ressaca e com aquela sede típica, a coisa que mais me chamou atenção no romance foi o pano de fundo histórico, passado num país sob domínio russo em época de guerra fria. O romance é lindo, os personagens fantásticos, as divagações sobre amor, paixão, fidelidade... tudo lindo. Mas a revolta do autor com o regime comunista é excitante do ponto de vista intelectual.
Não tenho simpatia alguma pelo regime comunista de Stalin, que na verdade não considero comunista. Mantenho minhas posições socialistas e acho que o comunismo/socialismo é o único caminho para que todos possam viver bem. Acontece que o autor, sob a máscara de seu personagem Tomas, fez uma reflexão interessante, que me deixou perturbado:
A certa altura, Tomas começa a refletir sobre o personagem Édipo, da peça de Sófocles, que ao se saber culpado pelas desgraças com seus súditos, arranca os próprios olhos (os detalhes da peça que li há tempos e achei fantástica, merecem outro texto, noutro dia). Então ele diz que os comunistas, ao verem as condenações absurdas do regime soviético, as dezenas de injustiças, se lamentavam dizendo não serem culpados... blábláblá...
Então começa a reflexão sobre culpa (o livro todo é assim, cheio de divagação filosófica). As pessoas que leram o texto acham que Tomas insinuou que os comunistas deveriam arrancar os próprios olhos ao se verem em situação tão constrangedora como a morte de inocentes, pois o Édipo também não tinha participação na sua desgraça e na de seus súditos. Embora preguem ideais bonitos, considerando o comunismo um 'caminho para o paraíso', eles deveriam se sentir culpados e se punirem, mesmo que seus ideais tivessem um fim bom como a igualdade entre as pessoas.
Então me vi num mato sem cachorro.
Como paralelamente estou lendo os escritos políticos do Gramsci, absolutamente comunista, e eu já tinha fortes raízes comunistas, fiquei pensando sobre as injustiças de Stalin, Fidel e outros comunistas. Será que esses erros tornam o comunismo algo errado? Será que o fato de cometerem injustiças sob a égide do comunismo torna os ideais de igualdade algo errado? Se fosse assim, o que seria do Cristianismo que perpetuou tanta desgraça em tempos Medievais e Modernos?
Todo posicionamento, todo engajamento, gera a possibilidade de injustiças e erros. Não é fato de terem errado no passado que torna algo abominável. Acreditar no socialismo como forma de possibilidade de igualdade e fim de injustiças sociais é necessário, mas nada justifica a morte de inocentes. Não consigo imaginar um comunista que não seja também um humanista. Mesmo Gramsci sendo da leva armada do comunismo, creio que nada justifica a guerra nem a morte.
É preciso acreditar na igualdade, liberdade e justiça. Esse tem que ser a bandeira da esquerda e do socialismo. Nada justifica a morte, nunca.
Enquanto eles levantarem armas, iremos de rosa na mão. Isso é comunismo. Isso é humanismo.
Mas o livro continua sendo bom... até porque, é um romance, não um tratado político...

12 fevereiro 2006

Quero ficar na Bahia

Não quero voltar!
(lágrimas saem dos olhos como chuva em São Paulo)
Toda aquela aparente depressão ou neurastenia de alguns textos atrás era farsa. Eu sou uma farsa. Aliás, não contei ainda: sou baiano. Nasci aqui só que não me lembrava e os documentos não registravam.
Estava triste porque uma mineirinha foi embora sem dizer adeus direito e fez dos olhos meus um chorar mais sem fim...
...meu coração vagabundo, quer guardar o mundo em mim...
Mas tristeza aqui não faz sentido. Penso, logo implico... mas não era bem tristeza. Era aquela angústia da qual nunca serei livre até aparecer alguém que me dê carinho 28 h por dia...
(suspiros)
Tudo é tão bom...
Tenho suadades ainda...

Desisto. É noite e essa LAN não faz sentido. Vou andar sem rumo...

keep waling...

11 fevereiro 2006

Axé e Funk

Mesmo com toda minha mania bossa-novística e mpbesca, confesso que tô gostando do Axé aqui da Bahia, quando não até mesmo do funk, que tem altíssimo valor social quando canta:

"é som de preto, de favelado
mas quando toca, ninguém fica parado"

Absoluta verdade.

Perdoem-me os puristas, os intelectóides... temos muito contra o que lutar além do funk e do axé. Ambos são ainda pouco imbecilizadores perto de novelas e programas da Globo. E infinitamente menos piores que a revista Veja.

Que todos dancem axé e deixem a Veja para os cães cagarem em cima!

Ao contrário do conceito da elite intelectual do país que acha que axé e funk são coisas de imbecil, eu, que passo boa parte da vida lendo, estudando, pensando, não me senti mais imbecil ao ouvir ou dançar funk e axé. Não esqueci o que é existencialismo, socialismo, nazismo e muitos outros ismos. Ainda sei diferenciar um Van Gogh de um Degas, Bossa-Nova de Chorinho etc.

O problema todo é esse povinho intelectóide que faz da cultura algo cult. Cultura brasileira não é cult! Eu sempre usei essa palavra, mas vejo agora o quão pejorativa ela é. Cultura é unir, não separar. Esse povinho que quer ser melhor que os outros por saber uma ou outra citação em latim, um ou outro conceito complexo de filósofos alemães... não sabe abrir um coco!!!
Não quero, dizendo isso, insinuar que todos dancem ou cantem axé e funk. A união não quer dizer exatamente que todos façamos as mesmas coisas, das mesmas formas. Mas é preciso respeito. Somos todos iguais, braços dados ou não, dançando ou não, cantando ou não.
Que o papel dos intelectuais não seja desprezar gostos diferentes do seu, mas apresentar as coisas que gostamos aos outros, com a mesma boa-vontade com que algumas pessoas querem nos ensinar a dançar.

Ficar comparando funk com rock ou MPB é mudar a posição da cama em que dormiremos à noite por causa do Sol das 3 da tarde.
Eu tava muito louco quando escrevi os dois textos abaixo!

10 fevereiro 2006

argh!

Vírgulas deprimentes no texto abaixo, mas tive preguiça de corrigir... (outras coisas também, blábláblá... não me encham!)
Meus olhos se fecham; ela continua dançando e o chá de tangerrina que era para ser de pêssego ameaça sair pelos meus olhos dentro em breve...

argh!

Comentário geral do 7º dia baiano

Primeira coisa: tô quase bêbado. Acabei de vir de Porto Seguro com a plena certeza de que deus soube o que fez quando me manteve longe da Bahia até os 21 anos.
Terceira coisa: aumentar a proporção de 2 cervejas para um côco não diminui a possibilidade de ficarmos bêbados.
Quarta coisa: o Fabricio num lugar chamado "Passarela do Alcóol' definitivamente não é uma boa idéia.
Quinta coisa: Axé Moi (pronuncia-se "moá", apedeutas) em dia de sol e Bohemia gelada não tem preço.
Sexta coisa: as mineiras têm um jeito de olhar pra você como se você fossemos culpados ou cúmplices de um crime que confesso não entender.
(observação geral do comportamento das mineiras: primeiro parece desprezo. Depois elas olham como se fossemos cúmplices e aquele olhar dissesse por onde era a fuga para não sermos pegos pela SWAT mineira. Depois elas olham como se fossem chegar em alguns segundos. Aí somem. Então escrevo de cabeça um 'Manifesto contra as Mineiras' em poucos segundos. Ela vem, diz alguma coisa que não entendo, e some. Começa a tocar axé de novo).
Já estou bêbado e vou embora de mototáxi. Deus é bom e me faz chegar vivo.
Chego na LAN House... peço um chá de pêssego que não tem. Vem de tangerina. Bebo.
Escrevo tudo isso aí acima em poucos minutos. O que mais devo escrever?
Lembro que na cidade velha de Porto Seguro tinha bolado um texto chamado "A Flor da Pele na Bahia", onde deveria relatar minhas experiências excêntricas e maravilhosas numa das primeiras cidades do país. Então lembro que esqueci também de relatar o fato de que ontem, num parque aquático, brincava comigo mesmo de descer nos toboáguas recitando poesia. Coisa de desocupado.
Mas cheguei no 6º ou 7º verso do Soneto de Fidelidade do Vinicius!

Tá tarde... nem contei dos peixinhos a nada no mar em Recife de Fora, tão pouco do meu encontro com a Dory, amiga do Nemo, megulhando. Experiência deliciosa.

amar o mar

Vi tantos peixes hoje que nem sei como relatar. Uma observação que fiz ainda com o snorkel (aquele máscara com um caninho pra mergulhar sem precisar tirar a cara da água): se Van Gogh ou Monet tivessem mergulhado assim em algum momento da vida, teríamos as maiores obras de arte da face da terra. Se fosse Picasso, seria inimaginável.

Continuo bêbado.

Na verdade, nem tão bêbado assim, mas exausto. Saí da pousada às 6 e tantas da manhã e são mais de 23h. Uma gostosa dança do lado de fora da Lan House. Estou fedendo a cerveja, bronzeador e água do mar. O que devo fazer?

Acho que devo beber mais uma cerveja... esse chá de pêssego fez um mal tremendo...

Ela continua dançando...

Mais de meia hora na LAN entre ler os e-mails, recados no orkut e escrever essa merda...

blábláblá...

meus olhos se fecham aos poucos...

nem falei dos artesanartos que comprei...

foda-se...

.

Baladas de corações e fígados abaláveis

Luau na Bahia é o que há. Depois de dançar a noite inteira, ao final, já meio bêbado, ver aquele sol pintando o mar... uma delícia...
Meu comportamento em ambientes assim é estranho, confesso. Até que gosto de música eletrônica, que em outros tempos chamei de ‘música libérrima’. Danço até me sentir derretendo em suor, com uma latinha de cerveja na mão. Depois vou para um canto e fico sentado pensando... pensando... Mando mensagens para pessoas próximas, vou ao banheiro. Depois levanto e começo a dançar novamente.
O ato de sentar e ficar pensando é coisa bem minha. Não me perguntem o que penso porque estou sempre bêbado. Aliás, ontem tentei remediar um pouco essas minhas bebedeiras impondo a seguinte regra: 1 água para cada 4 cervejas. Teve uma hora que não conseguia mais contar... Então bebi só cerveja. Acho que fiquei bêbado, pois não lembro de como fui pra casa. Ou isso ou fui abduzido por alienígenas. Entrei na praia e lembro de ficar dando em cima de umas meninas que estavam na água também. Depois me lembro de quase nada... cheguei na pousada às 8 da manhã e tomei café, isso lembro. Pedi para que me acordassem ao meio dia e acordaram. Como sempre, mesmo quando não lembro de nada, acordei com um pouquinho de sono, mas sem ressaca alguma, exceto pela sede. Será isso um bom sinal?
Pensei em parar com essas coisas... sábado passado foi cruel... Mas foda-se. Embora não deva nada a ninguém, ficar bêbado vem me incomodando. As coisas se apagam totalmente da minha cabeça e geralmente nem lembro de como cheguei em casa. Meu piloto automático é ótimo... O problema todo é essa minha tendência maníaco-depressiva-suicida. Posso fazer alguma besteira...

É que eu amo cerveja, não tem jeito. E tudo tem que ser mais que o suficiente, ainda não aprendi...

Se todos os excessos da vida fossem embora quando vomitamos ou mijamos, seria mais fácil. Eu poderia mijar umas paixões aqui, vomitar uns amores ali. O problema todo é o coração, que vai se estragando tanto quanto o fígado. Bebendo estrago meu fígado, depois sento num canto, penso, mando mensagens, aí estrago mais meu coração. Qual durará mais?
Enquanto isso, keep walking!

09 fevereiro 2006

Elogio das Mineiras, Comentários sobre Italianas e Argentinas e Crítica às Gaúchas

A começar pelo sotaque delicioso, as mineiras são, de longe, as mulheres mais simpáticas do país. Nessa torre de babel chamada Bahia, ouvimos em restaurantes e filas palavras lindas como 'procê' e trem... isso sem falar no indefectível olhar meio maroto, meio humilde, e totalmente atraente. Ousadíssimas, vão pra cima sem dó, e eu adorei...
As italianas têm um jeito particular de mexer o cabelo enquanto dançam sacudindo o ombro (diga-se de passagem que somente as gringas dançam balançando o ombro enquanto toca música eletrônica ou axé. Brasileira meche o quadril). Quando chegamos perto, dançam mantendo uma distância suficiente para sentirmos aquele perfume... ah... e se encostamos mais, elas olham rindo e dizem "no, no!" com as mãos espalmadas em sua direção. É preciso ter calma, paciência e caipirinha de vodka.
As argentinas pensam que estão lá na 'arrentina'. Grande maioria, ocupam espaço, falam alto, mas têm certa simpatia. Difícil é entender o que elas querem dizer e elas falam muito! Aquele inglês arrastado então, sem chance. Uma disse assim pra mim: "I don't like this music", ao som de música eletrônica. Perguntei então o que ela gostava e confesso que meu inglês limitadíssimo não permitiu entender.
As gaúchas e catarinenses são as mais lindas. Sempre em grupo de beldades, nem vale a pena chegar perto. Toda beleza deveria ser burra e natural como uma orquídea. Esse negócio de beleza com vontade e manias não dá certo.

Mas as mineiras...

Freud na Bahia

Numa dessas dormidas entre as 18h e 22h que dou aqui na Bahia, tive um sonho esquisito. Acompanhe-me:
Estava numa palestra sobre sei lá o que, parecendo ser a Marilena Chauí a palestrante. De repente, ela faz uma pergunta esquisita para o Caetano Veloso, que até então eu não havia visto. Ele diz pelo microfone coisas esquisitas sobre 'elite', se negando a responder uma pergunta idiota dessas. Olhei.. olhei... fui correndo até minha casa (sabe como é sonho, né?), peguei aquele livro de capa azul com todas as letras e entrei numa sala onde ele estava sozinho. Pedi para ele autografar antes que nos achassem e tudo ficasse tumultuado. Ele começa a escrever na capa do livro, enquanto pessoas gritam e esmurram a porta. Resolvemos fugir.
Mudança de cenário, onde tudo fica parecido com a novela Bang Bang. Já não atuo mais, só observo duas pessoas correndo. Na fuga, eles caem no rio e aí assumo um dos personagens. Vou sendo levado pela correnteza enquanto seguro só a capa rasgada do livro autografado pelo Caetano. Somente minha mão fica para fora da água, enquanto vou me afogando aos poucos tentando salvar o papel já amassado e molhado.
Cenário muda de novo e creio estar na sala de um psicólogo. Vejo o papel molhado na minha mão com um sol bem grande e sorridente desenhado no alto à esquerda da folha. Não leio o que Caetano escreveu, mas percebo que não está assinado. Digo para o que acho ser um psicólogo: antes que você comece a fazer perguntas, vou fazer 3 que por si só responderão muitas que você possa fazer posteriormente:
- Você já se sentiu sozinho a ponto de pensar que vai morrer assim?
- Você se vê imaginando que não há pessoas que possa satisfazer todas suas paixões, suas cismas, suas angústias?

Não sei se não cheguei a fazer a terceira pergunta ou se esqueci no ato de acordar. Só ficou na memória eu assumindo de novo o personagem dentro da água, enquanto ao fundo ouvia uma poesia que dizia nada disso valer a pena... parecia muito bonita... rimava ares, lugares, bares, mares... Mas não lembro um verso.
Agora, enquanto relatava o sonho, me veio a mente uma música do Caetano que diz "o que tu sonhares... todos os lugares... as ondas dos mares". Mas não era essa música. Eu tinha a impressão que era algo do Caetano mesmo... sei lá... sei lá...
Freud explica?

Não imagino o que Marilena Chauí e Caetano fazem comigo aqui na Bahia. Marilena representa a filosofia por si só e a USP, com certeza. Caetano recende à Bahia... O sol sorridente no autógrafo, a possível poesia dizendo não valer a pena... o que? Lembro que em algum momento pensei no David Calderoni, ex-professor meu de Filosofia Política e psicólogo formado na USP, um dos incentivadores passivos de minha vontade de entrar na USP...

Deixemos as interpretações para depois. Quando voltar para São Paulo vou procurar um psicólogo... ou um hospício mesmo...

:D

.

07 fevereiro 2006

Alerta

Eu realmente pareço nesse blog mais chato do que realmente sou. Não que eu não seja chato. Sou. Mas aqui é pior.
Confesso que não me suporto. É que é outro pensando... olha! olha! lá vai ele:
"Não adianta disfarçar. Minha natureza é triste. Viver em paraísos artificiais criados por uma falsa tendência a ser político demais ou por copos de cerveja e whisky, é ruim, todos sabem. Mas preciso avidamente das duas formas, das duas máscaras. Saber qual é mais natural... mais 'eu’... como? E por quê? Externamente, as duas formas convivem perfeitamente, o problema todo se dá na dentro da minha cabeça, ou quando 'o outro' escreve. Deixa ele:"
Viram? É loucura! hahahahahaha...
Foda-se. Estou à beira da estrada do Mucugê, um dos lugares mais badalados de Arraial d'Ajuda - Bahia. Vou pagar a mais de uma hora que estou nessa LAN, sair, sentar nalgum barzinho, tomar cerveja e dar em cima até da garçonete.
Daqui a pouco esqueço até onde estou hospedado, quanto mais meu transtorno de personalidade.

Eu não sei parar de pensar

não há sol a sós
Arnaldo Antunes

Todo prazer, por maior que seja, se esvai quando esbarra na solidão.
Estar na Bahia é lindo. Beijar outras bocas, com outros sotaques, é maravilhoso. Comidas diferentes, sensações, descobertas... tudo é delicioso. Não posso reclamar jamais desses dias que estão sendo os melhores de minha vida. Seria egoísta de minha parte.
Só que não sei parar de pensar.
Tinha prometido a mim mesmo que não ficaria filosofando demais sobre minhas angústias, minhas cismas. Ia manter distância da internet, do teclado.
Só que não sei parar de pensar.
Em algum momento é preciso olhar para o lado e dizer: “olha como isso é lindo!”. Mas não. O fato de não haver alguém dissipa em mim venenos de filosofia e poesia que deveriam ser absurdos sob um sol assim, frente a maravilhas assim.
Só que não sei parar de pensar.
Andar de mãos dadas na beira da praia, ouvindo palavras deliciosas como ‘procê’ deveria ser um fim em si mesmo, curando com um beijo todo o veneno herdado de qualquer outra pessoa, qualquer outra coisa. Só que a efemeridade recende à solidão e...
... eu não sei parar de pensar...

Até quando?

Ficar sozinho durante muito tempo nos faz perder a noção do que é verdade e mentira. Nos torna carentes, e isso é complicado. Se há um problema no mundo, esse problema se chama carência.
E carência se dá de muitas formas. Há o filho que precisa da mãe, pessoas que precisam de amigos, atenção (isso falando somente nos relacionamentos interpessoais)... e todas essas formas de carência geram problemas. Meu caso não se encaixa em nenhum desses citados. Tenho uma carência afetiva relacionada a idéias platônicas de amor.
Minha personalidade é complicada e minha insatisfação é notória. Aparentemente, achar uma pessoa que satisfaça todas minhas cismas, minhas manias, minhas paixões, parece impossível; há noites em que durmo sabendo que vou morrer sozinho. Então parece que tudo isso se esvai no simples gesto de andar de mãos dadas - beijo na boca é ótimo, mas carinho se dá pela mão -, abraçado... Mas será que isso me satisfaria durante muito tempo? O que eu faço então com essa minha angústia que me faz escrever, pensar, ler e vez ou outra ameaçar chorar sozinho? Será que a chave de todos os problemas sentimentais/dramáticos/angustiantes está na mão de uma pessoa só? Se não, o que faço? Bebo até morrer? Escrevo mais? Se longe de casa, do delírio cotidiano, do desvario aleatório, isso não acaba... até quando?... até quando?

04 fevereiro 2006

Primeiras Impressões da Bahia

A bahia é linda!
Tem americano, carioca, holandês, alemão, paulista... tudo, tudo, e todos são lindos!
Tem corais na praia que fazem piscinas naturais onde peixinhos azuis nadam esperando a maré encher. Tem americanas - suponho - branquelas fazendo topless, e baianas de branco e tudo vendendo acarajé.
Tem baiano 'dançando' ou 'lutando' capoeira com inimigos invisíveis pela praia, pulando e chutando como se estivessem num circo - mas é maravilhoso! É Brasil!

Ah... merece relembrar um poema do Gonçalves Dias, que me veio à mente assim que cheguei e vi as palmeiras, e encontro agora pelo Google, essa maravilha:

"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá
(...)
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores"

São Paulo nos torna universais com seu desvario delicioso e eufórico. Bahia nos torna pessoas perdidamente apaixonadas pelo país.

A Bahia é lindaaaaa!

Exceto por algumas pessoas queridas, minha biblioteca e dois ou três bares de Sampa, nada aqui me faz falta. Amo a Paulicéia, mas á Bahia é demais.

Diga-se de passagem que vim sozinho, ninguém entende. A solidão até que me cai bem! Um homem com uma dor é muito mais elegante... e aqui não tem tempo pra reflexões filosóficas demais. São 8 e tantas da noite, vou jantar peixe nalgum boteco que tenha cerveja por R$ 3,00, dar uma olhada na praia, depois caçar uma balada, exercitar o inglês! huahuahuhauhauha... Tédio só mais pro fim da estadia... hoje não! Hoje não!

"Ó Pátria amada idolatrada salve salveeeeeeeeeeee"

02 fevereiro 2006

Paixão, Amor, Carinho

para alguém,

Não é preciso ressaltar a diferença entre homens e mulheres na concepção dessas palavras: paixão, carinho, amor. Hoje, essas são as minhas:
A Paixão invade, dilacera, ocupa, culpa, desgasta... entra pelos sete buracos da cara como um veneno/barulho/perfume/explosão. Não há remédio. Podemos nos ver apaixonados por alguns instantes como por toda uma vida. E paixões se aplicam a qualquer coisa: uma pessoa, uma música, um poema, um livro, um instante.
A paixão não exige reciprocidade, mas precisa de reconhecimento, sutil diferença: ela é um fim em si mesmo, se alimenta da própria substância, daí a possibilidade de nos apaixonarmos por objetos aparentemente (repito: aparentemente) inanimados, inertes etc.
Se apaixonar por uma pessoa é sinônimo de...

(estou de férias e numa LAN House. Outro dia termino! :D)

Somos tudo pela metade.

Não sei bem se comecei a ler Literatura, Filosofia e Psicologia após inventá-lo, ou se o inventei e por isso comecei a ler. Mas desde então, desde esse momento perdido no tempo... olha só, olha só... ele está pensando:
- Tenho a impressão de o que me falta é carinho. Perdido entre noções filosóficas de liberdade e engajamento, sigo com uma solidão que dói nalgum lugar distante da filosofia e até mesmo das idéias. E, embora a solidão seja sinônimo de coisa ruim, e o é, ela envolve um quê estranho de paixão...
Não sei quem é quem. Não sei se o ato de escrever o dissipa, ou se eu - que escrevo - sou dissipado no ato de ele pensar.
Somos tudo pela metade.

(possivel início de um romance, um conto... algo assim. Uma das dezenas de idéias ocorridas em madrugadas insones dessas férias.)