28 junho 2006

Clarice Lispector e Kafka

Há uma certa semelhança entre "A Paixão Segundo G. H.", de Clarice Lispector, e "A Construção", de Franz Kafka. Um desconforto.
Se o personagem de Kafka constrói sua toca com medo do inimigo, Clarice a desbrava sem medo, ainda que vez ou outra de "mãos dadas" com o interlocutor. No começo você se sente mal em ambos, descobre-se claustrofóbico. Ao final, Clarice consegue obter - e nos passar - a “alegria difícil” de que fala na apresentação. Kafka não.
Mas há um laço, um elo entre eles que é difícil de descrever. O livro de Clarice ainda está quente na minha memória, o de Kafka tá meio distante. Preciso relê-lo.
Mas não, não sei... é como se ambos me causassem uma náusea e eu não conseguisse vomitar.
Mas são livros ótimos. Um dia consigo escrever direito sobre eles.

27 junho 2006

Amar é...

Sempre pensei que amar era escrever cartas bonitinhas, trocar beijos, carícias, presentes, brigar de vez em quando e voltar pedindo desculpas. Mas é bem mais.
Amar é basicamente se sentir bem, ainda que a saudade seja horrível e o ciúme pungente.
Pode ser, também, um pouco de tristeza, nem que seja pra fazer um samba, pois Vinicius disse que "pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza". A tristeza, em si, não é má. Ela é... triste. Lógico que a felicidade é melhor, mas não tem como ser feliz sempre. O mundo, com suas injustiças e desigualdades, vez ou outra nos entristece. Ficar perdido dentro de si mesmo também é triste, e nem sempre a gente se encontra.
Amar de verdade, mas de verdade mesmo, é confessar uma espécie sutil de fraqueza; pois para dizer que alguém nos completa é preciso assumir que éramos incompletos. Antes de amar eu era menos.
Amar é saber curtir o presente pensando no futuro; é repetir os versos de "Eu sei que vou te amar" como se fossem seus, pois o amor não tem prazo de validade; é pra sempre e deve ser como o vinho: melhor com o passar do tempo. Pra isso, precisa estar bem armazenado (é, também, esquecer algumas coisas do passado).
Amar é gostar de crianças. Na verdade, isso vale mais para os homens, já que mulheres estão acostumadas desde pequenas com suas bonecas. Homens não. Sem perceber, estamos dialogando com crianças de cinco anos no ônibus, dando tchauzinho para bebês que nem sabem falar.
Amar é gostar mais da própria família, dos amigos de verdade, e até do cachorro. Porque antes alguma coisa nos impedia de enxergar o óbvio. Ou seja: amar é enxergar o óbvio.
Amar é manter uma certa admiração por coisas confusas, complicadas; mas beleza e prazer a gente tem nas coisas simples. Augusto dos Anjos continua admirável, mas Vinicius é maravilhoso. A noite é instigante, a boemia é poética; mas passear de mãos dadas num fim de tarde e almoçar com a família dela é delicioso.

Amar é achar que estamos sempre atrasados, e fazer o amor esperar é inadmissível. Então é melhor parar por aqui, pois estou indo ver minha namorada!!!

26 junho 2006

Confissão

Há horas com aquela náusea terrível que é prelúdio de alguma coisa por escrever, sentei na frente do computador e digitei a primeira frase dos versos abaixo. Os outros versos também saíram rápidos, mas a estrofe seguinte empacou. Havia dezenas de idéias, mas a coisa não virava poesia. Já queria começar outros textos, deixar esse de lado... foi então que resolvi escrever justamente sobre isso: há muitas características que atrapalham em muito a minha vida. Uma delas é a euforia.
Milhares de idéias me assolam e eu não consigo organizá-las, muito menos transformá-las em poesia. Escrever em prosa é muito mais fácil, embora eu perca muito tempo corrigindo e acrescentando vírgulas e outros cosméticos literários. Mas a poesia exige uma forma de concentração e esforço intelectual que me é desconhecida. Essa mesma característica se repete de várias formas, em várias coisas.
Em empreendimentos individuais, o grande problema é, em si, a euforia. Quero fazer tudo ao mesmo tempo, o que é facilmente demonstrado pela quantidade de livros ao lado da minha cama. Eu quero ler filosofia, poesia, romance, história, notícias... tudo ao mesmo tempo! Minha cabeça vira um turbilhão, e eu acabo não fazendo coisa alguma. O mesmo se dá no trabalho: telefonemas, planilhas, projetos, documentos... tudo dividido entre minha mesa e o computador, se alternando com coisas de ordem pessoal, como esse texto, por exemplo, e conversas do MSN pipocando.
Coletivamente, o que era euforia se manifesta pelo excesso de empolgação. Preciso de deslumbre, de fascínio para seguir adiante. Se percebo que estou indiferente, jogo tudo pro alto e invento outro circo. Meus relacionamentos anteriores terminaram basicamente assim; não aceitava a idéia wildiana de que o amor seja a 'letargia do hábito'. Grandes projetos e sonhos - como o foi a revista Cisma, por exemplo - se dissolvem diante da indiferença alheia.
Por ter uma necessidade muito grande de agir coletivamente, para dar andamento a um projeto preciso que todos sonhem comigo, ou, como disse uma grande amiga minha, todos estejam "olhando a roda gigante do mesmo ponto que eu". Parei um curso que adorava por não enxergar essa empolgação nos outros.
Aos poucos venho enxergando o quão errada são essas e outras coisas habituais em minha vida. Não que eu queira ser/parecer indiferente como a grande maioria. Tudo que é grande e bom e duradouro é feito com empolgação, com paixão. Mas administrar oscilações é o X da questão.
Até pouco tempo atrás eu sequer tinha consciência disso; hoje quero corrigir, confesso.

talvez eu precisasse de um amor assim,
sereno e já com saudades do futuro
cuja semente foi regada por lagrimas
e as flores cercadas por um muro

22 junho 2006

Solidão e Angústia

Possivelmente por insistência de minha mãe quando eu era criança, aprendi que é mais seguro andar de mãos dadas com alguém que sozinho. A gente às vezes se distrai e BUM! um carro pode nos atropelar.
Cresci um pouco e teoricamente teria que ter aprendido a andar sozinho por aí; mas não aprendi. Desvairado em madrugadas etílicas, busquei mãos alheias quase que sem perceber. Havia um resquício do que pode ser chamado de 'sacanagem' nesse gesto, já que as mãos eram sempre de mulheres bonitas (diria "comíveis", em outros tempos. Mas mudei); o que não deixa de ser, também, fruto dessa minha insegurança. Medo de ser atropelado.
Em resumo, medo da solidão.

Durante muito tempo tem-se como solidão a eterna ausência da pessoa amada. Em sonhos, projetamo-nos ao lado dessa pessoa numa espécie de Vilarejo como na música da Marisa Monte: "Lá o tempo espera / Lá é primavera / Portas e janelas ficam sempre abertas / Pra sorte entrar / Em todas as mesas, pão / Flores enfeitando / Os caminhos, os vestidos, os destinos / E essa canção...". Eis que um dia o futuro chega - é inevitável - e as coisas não são bem assim.
O mais perfeito e belo amor não passa da união de duas solidões que se entendem. E com a mesma angústia com que éramos "abandonados" na escola, nos separamos por instantes das pessoas que amamos.
Tentando me convencer, repito mentalmente: não há como alguém nos acompanhar em tudo, sempre. As mãos se separam, mas os corações continuam unidos. Não é à toa que justamente na mão fica o símbolo do compromisso.
Talvez se encontre numa religião a 'solução' dessa solidão/angústia. Raul Seixas se incomodava, numa música, com a hipótese de deus vê-lo no banheiro. Acredito que a religião alivie muita coisa; acredito, do meu jeito, na existência de deus. Mas infelizmente (pra mim), diante de algumas injustiças faço a mesma pergunta de Castro Alves: "Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? / Em que mundo, em que estrela tu te escondes / Embuçado nos céus?".

Em resumo, não há amor, não há sossego, não há dinheiro, não há prazer, não há empolgação, não há pensamento... nada; absolutamente nada elimina por inteiro a sensação de solidão e a angústia.
E eu canto com Fagner:
"Tenho o mesmo segredo
Dos malditos solitários
Só a noite é minha amiga
A quem friamente confesso
A natureza noturna
Dos meus infernos diários
Nem a mulher que me ama
Sequer a moça de gênio
(...)
Nem o poeta ordinário
Nem literato de prêmio
Eu tenho o mesmo segredo
Dos malditos solitários..."

14 junho 2006

Exagerado?

Acho que só consigo andar por estar apaixonado pela rua, por meus sapatos, pelo lugar onde quero chegar etc. Já que a vida exige paixão para ser vivida.
E quando tudo parece chato e as coisas ao redor são indiferentes, me apaixono por minha melancolia e meus dramas. Faço festinhas em mim mesmo.
Nesse meio, há paixões e amores indeléveis; minha mãe, por exemplo. Nunca deixei de gostar da minha mãe. Sou eterna e perdidamente fã de minha mãe. E pensei há pouco: "um dia eu vou dizer pra muita gente: por minha mãe, que me deu a vida e ensinou a viver; por minha esposa, com quem eu vivo e que me faz feliz".
Hoje eu não tenho uma esposa, mas há uma pessoa com quem eu vivo momentos dispersos e que me faz muito feliz: a Sheila, que antes de namorarmos já era meu amor indelével. E se é preciso certo comedimento ao falar de amores e paixões, que se dane: eu amo muito e sei que vou amar.
Pense bem: quando uma coisa dói, a gente não pensa "daqui a pouco passa"; muito pelo contrário, achamos que vai doer o resto da vida. Quem já teve dor de ouvido ou de dente sabe. A vida pára para aquilo doer eternamente, não há nada além da dor, não queremos comer, trabalhar, assistir TV... nada.
Aí quando a gente se apaixona por alguém, pensa logo: "vai passar" ou "nada é pra sempre".
NÃO!!!
Tem que ser pra sempre, caso contrário não tem graça. Eu quero tudo em doses cavalares. Overdoses. Taquicardias.
Porque se um dia acabar, não vai ser por falta de amor nem paixão.

Em visita a Cuba, Sartre perguntou pra Fidel Castro o que ele faria se o povo lhe pedisse a lua.
- Eu daria a lua para eles – respondeu Fidel.
Tendo em vista as coisas que Fidel fez com parte do povo cubano, não sei dizer se ele era apaixonado. Talvez fosse. Mas se alguém que eu amo me pedisse a lua, eu daria um jeito.

Em resumo, sou exagerado.