26 janeiro 2006

Teatro Noturno

Para Felipe, e as feéricas Fernanda e Erika
Gritos num escuro agudo.
De repente, uma luz acende sobre um indivíduo de chapéu-coco correndo com uma garrafa de vinho na mão. Ele pára, olha pra trás, esfrega a boca pelo braço até as costas da mão e começa a falar, braços abertos e voz emocionada:
“Mas o que é a vida? É esse bando de gente inventando verdades enquanto eu, ébrio, só brio, febril, digo o que acreditam ser mentiras?
“É aquela sensação de ser traído, abandonado, vilipendiado, enquanto minha geração se vende por desprazeres baratos, esquecendo que somos poesia, arte?
“É odiar o dia por ele ser assim, cheio de regras, fedendo a escravidão?”
Cambaleia um pouco, toma um gole longo, seguido de um estralar da língua contra o céu da boca:
“Noite, note-me! Olhe-me, veja, sinta, ouça! Sou seu filho! Onde estão meus irmãos?”
Silêncio.
Percebe que o vinho acabou e quebra a garrafa num golpe violento. Alguns cacos entram em suas pernas.
Ao longe, outro foco de luz acende sobre uma figura saltitante, cantando “we accept you one of us, one of us, one of us”. Atrás, outra figura corre, cai, se levanta e continua correndo, gritando “tem ceiveja aqui, ó!”
Mais atrás um carro buzina, enquanto dentro alguém grita: “voltem pro carro!”.

Gargalhadas de todos.

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