29 julho 2006

Pobrezas

para Felipe,


"- Você acha que ele fez tudo isso para ser convidado a cozinhar para nós? Para nos envenenar?
- E deu certo.
- Porque ele está nos envenenando?
- Você não esta fazendo a pergunta certa.
- E qual é a pergunta certa?
- Porque nós estamos nos deixando envenenar?"
L.F. Veríssimo


Muita coisa é perdoável nesse mundo. Há pessoas verdadeiramente mesquinhas, que escondem no bolso balas que só serão descobertas depois de passarem pela lavanderia. Mas aí não há tempo nem de chupa-las, nem de dá-las para alguém. Estragaram. É algo ruim, mas não nos prejudica tanto. Se você pedir, é até capaz de ela dar, mesmo que contra a vontade.
Há pessoas insensíveis. Pessoas que só percebem quando estamos mal se gritarmos. Mas a sensibilidade é para poucos, e a presença de alguém, ainda que insensível, nos alivia. Porque as pessoas insensíveis não são de todo más.
Há pessoas cegas. Que não enxergam a beleza que há em nós, que nossa intenção às vezes é ajudar. Estendemos tapetes de rosas na frente dela, que não enxerga. Chega a tropeçar, mas não enxerga.
Mas a pobreza de espírito, a pequenez de alma, a quase ignorância com os sentimentos alheios... não dá pra aceitar. Porque às vezes é difícil amar uma pessoa só porque ela nos ama.
Mesmo um esboço de alma sabe respeitar o amor alheio. Não adianta dar a mão na calçada, e depois dizer: "atravesse a rua sozinho". Pode até falar, mas não deve dar as mãos. Ao menos deixe claro: eu não vou atravessar a rua com você.
Pois ainda que ficasse muito tempo de sua vida do lado de lá da rua, um dia você ia entender que é preciso atravessar. Mas de que valem mãos dadas na calçada? E se a pessoa gritasse: “atravessa sozinho, porra!”, seria melhor.
Perdesse a ternura, endurecesse, fizesse o diabo...
E à simples pergunta “por quê?”, a pessoa responderia: compaixão, piedade, comiseração. Ao que você choraria, posto que é parte da história. Daqui eu daria gargalhadas, confesso. Piedade?
Huahuahuahuhauhauahuahuahuahauhauahuahauhauhauahuahuuahauhua
Não, não, não...
Desculpe, caro amigo. Há pobrezas irremediáveis, que fazem sentimentos belíssimos não valerem a pena.
E aos gatos que te arranham por dentro, recomendo o que Vinicius de Moraes chamava de cachorro engarrafado; o melhor amigo do homem: whisky. Não que se embebedar, se mutilar, valha a pena. Mas é infinitamente melhor beber pela inevitabilidade da vida que por... bom, como chamamos isso?

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