06 julho 2006

Confesso que vivi

A grande vantagem dos exagerados é que eles vivem sempre um pouco mais que a grande maioria. E esse "mais" não é medido por unidade de tempo, espaço percorrido, nada. É a unidade desconhecida com a qual se mede o prazer.
Minha infância foi deslumbrante, com direito a pescarias, cabanas, tombos fenomenais, fogueiras enormes, braço quebrado, pedradas, campeonatos, invasão de quintais para resgatar bolas ou roubar frutas, piqueniques, atropelamentos, espionagem em banheiros femininos, pontos na cabeça, microempresas de lavagem de carro, banho em cachorro...
Na escola, tive grandes amigos (mais amigas, na verdade), bolei aulas, colei provas, fiz escolinha de verão, recuperação, toquei Legião Urbana em rodas de pessoas desafinadas, fui expulso da sala, colei cartazes revoltados na parede do pátio, colei fotos de mulheres peladas no banheiro da 5º série, organizei festinhas, passeios, discuti com professores, cheirei giz, participei de guerras de giz e papel...
Passei dias lendo deitado e descobrindo o mundo maravilhoso da Arte. Com pouquíssimo conhecimento de causa, queria discutir Nietzsche aos 15 anos (nem tinha lido ainda!), lia poesia de forma desesperada, descobri Fernando Pessoa e fiz dele meu amigo.
Adolescente, mergulhei de cabeça no desvario roubado de baladas inabaláveis, fiquei horas inconsciente, acordei sem saber como cheguei em casa, vomitei sangue, beijei mulheres maravilhosas e estranhas, trabalhei bêbado, gastei fortunas com whisky, corri de cueca em Moema, me equilibrei, bêbado, na mureta da Av. Washington Luiz, voltei pra casa andando em madrugadas frias, fumei maconha e ri horas sem parar, tive alucinações, experimentei drogas mais ilícitas que maconha, perdi a chave de casa e dormi na rua...
Confesso que já chorei sozinho. Achei o mundo algo horrível e quis morrer. Levantei sem vontade de acordar, achei que nunca seria feliz, trabalhei sem vontade de trabalhar, queria fugir... As lágrimas são lembradas sem saudades, mas como algo necessário.
Hoje, pela primeira vez estou amando alguém de verdade. E aqui cabem as duas interpretações: tanto o amor quanto ela são de verdade.
Neruda escreveu "Confesso que Vivi" já um pouco velho, com muito mais experiência que eu, que também confesso que vivi e estou vivendo. Mas só enxergo essas coisas porque estou amando.
Se um dia posso chorar novamente, achar tudo horrível, pensar em não ser feliz? Sim, é possível. Mas hoje não... Confesso que vivi, e confesso que quero viver ao seu lado, Sheila.

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