07 abril 2006

"Quando eu Paro" ou "Mais Eu"

Para S.


O tempo, curtíssimo, se esvai sabe-se lá por onde. A vontade, sobretudo com relação ao trabalho e outras coisas banais, nunca foi muita. Vai passando, diminuindo, e quando percebemos estamos inertes como a pedra no caminho do Drummond. Quando não, estamos rolando morro abaixo sem sentido algum, razão nenhuma. As paixões aleatórias surgem e somem em segundos. Devoro livros com a voracidade de alguém que almoça depois de dias sem comer. Paixão absoluta por Sartre num dia, noutro dia, outro escritor. Mas ali, lendo e pensando, era absolutamente apaixonado por Sartre. Depois passa. Essas paixões todas passam.
Parece que tudo acontece independente de mim. Acordo automaticamente, chego no trabalho sem perceber, e acho essa vida uma bosta. Mas acabo me conformando e esquecendo meus sonhos todos. E o tempo passa... ah, passa.
Me conformando, esqueço de mim. A vida continua, e eu me perco nessa bagunça toda, resmungando pelos cantos como um velho chato. Absolutamente casmurro.
Posso dizer que nesse ritmo frenético do trabalho (equivalente ao frenesi parcialmente abandonado da boemia, que perdeu a graça), não sou eu. Eu me anulo, me esqueço, me perco.
Mas no exato instante em que me lembro de mim, lembro sempre que sempre te amo. Não que eu seja "mais eu quando sou você", como na maravilhosa música do Caetano. É que o único sentimento que me faz gostar de mim, que dá um sentido, ainda que estranho, ao meu desvario, aos meus exageros, às minhas cismas, é esse amor.
Eu sou uma farsa. Sou dissimulado e político, você sabe. Palavras pra tudo e todos. Porém, a única coisa que me faz sentir mais verdadeiro, mais eu, mais humano, é que eu consigo te amar sem egoísmo e sem dever nada pra você. Embora eu ame, por exemplo, a minha mãe, ela é minha mãe. Não sou obrigado a amá-la, mas ela é minha mãe eu a amo por isso e porque ela é simplesmente a melhor mãe do mundo e é absolutamente maravilhosa. Está acima dos outros seres humanos. Você não, você é chata e eu te amo. Você não me escreve e eu te amo. Você nem liga pros meus dramas e eu te amo. Acha que eu sou louco e eu te amo. Você nem é minha mãe nem é tão legal assim. Só há duas pessoas perfeitas: minha mãe e a bailarina do Chico Buarque, que não tem problema na família, remela as seis da manhã, nem dente com comida etc. Ainda assim eu consigo dizer sem dúvida alguma, embora não consiga explicar a origem e o fim disso: eu te amo.
São palavras que surgem na minha cabeça sempre que eu não consigo enxergar as coisas, o sentido das coisas, de toda essa zona. Eu penso isso quando quero parar.
O tempo não pára, o mundo dá voltas, a Paulicéia não anda, se arrasta pelo trânsito das grandes avenidas, mas quando EU PARO pra lembrar de mim, te amo.
É o que eu queria dizer antes de retomar a loucura dessa semana, em que passei poucos minutos sentado nessa mesa, correndo pela Paulicéia Desvairada atrás de objetivos que não são meus.

É isso.


Ah! Essa é a bailarina do Chico Buarque:

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Berruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem

Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem

Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem

Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem

O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem

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