18 outubro 2005

Liberdade e Direito no Referendo do Desarmamento...

Meio tardia, mais eis mais algumas considerações sobre o desarmamento.Inicialmente, manifesto minha posição a favor do desarmamento (para quem ainda não entendeu a pergunta: SIM, sou a favor do desarmamento). Mas antes de explicar os motivos, digo o que entendo sobre as palavras de ordem dos belicosos opositores: LIBERDADE E DIREITO.Liberdade numa sociedade é saber tomar decisões tendo em vista que existem outras pessoas (isso numa sociedade normal, não uma neoliberal). Somos livres, mas nossa liberdade não pode infringir a liberdade do outro. De acordo com a psicologia, a nossa relação com o outro determina nossas formas de loucura ou psicose (daí talvez o amor ser uma forma de loucura). Sartre dizia que somos 'condenados à liberdade', e noutro livro disse que 'o inferno são os outros'. Nossa sanidade mental depende disso: a consciência de nossa liberdade e do outro, consciência de si e do outro. Não sei o que dizem os psicólogos, mas imaginar-se sempre sendo perseguido, em vias de ser roubado, assassinado, estuprado, deve ser paranóia. Não que eu esteja tapando os olhos à violência do segundo país mais desigual do mundo, perdendo somente para um país africano em guerra civil. Muito pelo contrário. É por temer aumentar ainda mais a violência que sou a favor do desarmamento. Mas continuemos com os motes dos belicosos opositores:O Direito é uma coisa legal, hehehe. Já pararam pra pensar na diferença entre Direito e Necessidade? Direito é universal, e se aplica a todos os cidadãos. Necessidade é particular, individual (ver Convite à Filosofia, da Marilena Chauí, para entender melhor). Um cidadão com deficiência física tem necessidades diferentes dos outros cidadãos, e, por ter direito a assistência médica, pode exigir do Estado uma cadeira de rodas, por exemplo. Será que por isso todos temos DIREITO à cadeira de rodas? Então, por defender tão apelativamente nosso DIREITO às armas, a frente que defende o NÃO deveria garantir, também, o direito dos miseráveis, grandes vítimas da violência, de ter acesso às armas, pois se um tem, é de todos a necessidade de defesa. Enquanto a classe-média-alta-de-direita, que clama diariamente pelo NÃO, vive dentro de seus carros blindados ou cercada de seguranças, a maioria dos que morrem com tiros de 38 são pobres e favelados. As mulheres estupradas são, quase sempre, mães solteiras que vivem em barracos. Os jovens assassinados nas madrugadas não voltavam da Vila Olímpia em seus Audi A3; voltavam dos bailes, jogos, lá na Zona Leste. Enquanto as educadas crianças das escolas particulares medem forças através de jogos pela internet, pela quantidade de vezes que foram à Disney, ou pelo carro que os vem buscar, do outro lado elas medem força na porrada mesmo, ou trazendo as armas de seus pais para a escola (vejam o que aconteceu ontem: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1810200501.htm).É interessantemente hipócrita a defesa do NÃO, ainda mais quando estampada na capa da Veja. Está claro o quanto a Forjas Taurus e a CBC gastaram com Marketing nesses meses. Estamos cedendo às mensagens apelativas criadas pelos gurus do Marketing.Simplesmente absurda essa história de "direito à legítima defesa"; policiais morrem, após anos de treinamento, trocando tiros com bandidos. É clara a inaptidão de 99,99% da população em manejar armas. Num bar, discutindo desarmamento com um amigo, perguntei: "quantas vezes saímos daqui sem conseguir andar direito? Você lembra de tudo o que fez numa dessas noites etílicas? Imagine se você tem uma arma, e um desses carinhas que passam horas na academia meche com sua namorada? Você vai tomar satisfação? Lógico que não, você está bêbado e armado!". Isso sem falar nas briguinhas de trânsito, praxe aqui na paulicéia desvairada.Quanto aos algozes do governo, que chegam a comparar Lula e Hitler, cito trecho de matéria da Carta Capital: "Pode-se tomar a implantação do Novo Código de Trânsito no Brasil como um exemplo de interferência do Estado no direito individual (de não usar cinto de segurança, por exemplo). Em seu primeiro ano de vigência, houve redução da mortalidade em 13%, o que significa 4 mil vidas poupadas. Hoje, mais motoqueiros usam capacete e mais motoristas usam cinto de segurança, menos pessoas se atrevem a dirigir bêbadas ou entregar as chaves ao filho menor de idade."
Acho que não adianta expor mais números, como quantas vezes é aumentada a possibilidade de morte na reação a um assalto. Faturamento da CBC ou Forjas Taurus? Tanto faz. O que é preciso entender é que o tal 'direito' será para poucos, como quase tudo no Brasil. Numa sociedade Liberal, todos têm direito a tudo, enquanto consumidores; basta trabalhar para ter dinheiro e comprar. Só que quase 80% da força de trabalho brasileira ganha menos de 2 salários mínimos. Seus patrões? Compram carros importados com o dinheiro do trabalho dos escravos voluntários. Uns trabalham, outros consomem. Enquanto eles compram carros importados, fazem compra na Daslu, não muda muita coisa. Meu medo é a hora em que a Daslu começar a vender armas, e essas armas pararem nas favelas, caindo na mão de dependentes desesperados, bandidos, crianças etc.Em vez de clamar o 'direito à legítima defesa', deveríamos nos importar mais com o direito à educação, saúde, transporte etc. Se todos esses direitos estivessem garantidos, teríamos que nos defender do que???

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