12 outubro 2005

Escritores, leitores e outras aberrações

Todo mundo é saudavelmente pretensioso a ponto de pensar na posteridade de seus próprios escritos. Ninguém escreve para si mesmo. A necessidade é egoísta, como se fosse preciso escrever para continuar a viver menos amargamente, mas a intenção é que os outros leiam.
Ou seja: escrevemos para saciar uma necessidade egoísta, mas com a pretensão de que outros leiam. Mas quem?
Aí fica um vazio. Escrevemos para o que há de nós nos outros e para o que quer ser, mesmo que não seja. Bukowiski dizia sobre sua “loucura roubada” que não desejava a ninguém, a não se ele mesmo. Mas muitos experimentaram essa loucura através dele, ou se viram encorajados a experimentá-la. Ou seja: quem lê Bukowiski tem essa mesma loucura, mesmo que não experimente um copo de Whisky ou acorde num beco com um rato no peito. Entre o leitor e o escritor tem que haver uma empatia mesmo que não praticada. Deu pra entender?
Vou tentar de novo: não tenho a menor coragem de tomar uma overdose de cocaína, heroína, ou outro paraíso artificial qualquer; no entanto, adoro livros e filmes como Junky, Confissões de Um Inglês Comedor de Ópio, Trainspoting, Pulp Fiction... eles saciam parte dessa minha vontade que se vê restrita por covardia. Ou seja: mesmo quando não há uma relação perceptível entre o leitor e o escritor, há algo implícito. Não preciso ser drogado para ler Burroughs, mas preciso, pelo menos, da vontade de me drogar.
A mesma coisa se aplica aos românticos. É preciso estar apaixonado ou ter vontade de se apaixonar para ler Neruda ou Vinicius. Se não houver uma réstia de paixão dentro do seu coração, nem tente ler um desses dois. Aqui cai perfeitamente uma frase da introdução de O Retrato de Dorian Gray: “a aversão do século XIX ao Romantismo é a cólera de Caliban por não ver seu rosto no espelho. A Aversão do século XIX ao realismo é a cólera de Caliban ao ver seu rosto no espelho.”

Essa é a estranha relação que eu tenho com meus escritores preferidos. Neles tem que haver uma experiência que eu vivi ou quero viver. Ainda assim, não consigo imaginar se a recíproca é verdadeira: se há algo em mim, enquanto escrevo, que um possível leitor possa desfrutar por ter vivido ou querido viver
Só agora me vem à mente a possibilidade de alguém escrever algo que quer viver, mas ainda não viveu. Tornar-se seu escritor preferido. Talvez, quando criamos um heterônimo, não criamos um outro escritor, mas sim um novo leitor em nós mesmos. Será?

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